domingo, 30 de maio de 2010

Renner X Riachuelo X C&A

RIACHUELO MUDA E SE APROXIMA DA RENNER

Matéria do jornalista Fernando Scheller, publicada pelo jornal O Estado de São Paulo, edição do último dia 17 de maio de 2010.

Rede de varejo começa a colher os frutos de uma revolução iniciada quatro anos atrás

Ao escutar uma conversa entre adolescentes que matavam tempo entre as araras de uma das unidades da sua rede, o presidente da Riachuelo, Flávio Rocha, fez um duro diagnóstico sobre o negócio: era hora de revolucionar a marca.

Para aprender a falar a língua dos jovens, que achavam que a loja tinha a cara das suas mães, a empresa passou por uma transformação nos últimos quatro anos: mudou o mix das lojas, o modelo de produção e a estratégia de comunicação para, nas palavras do executivo, perder a “timidez” crônica de que sofria.

Tudo isso sem se afastar do seu público: as classes C e D.

A empresa, do Grupo Guararapes, pagou um preço alto pela mudança de identidade. Nos primeiros anos, cresceu abaixo do ritmo de uma das suas principais concorrentes, a Renner. Mas, agora, sua estratégia começa a dar sinais de acerto. Em 2009, a Riachuelo se aproximou da Renner em faturamento, número de lojas e cresceu em ritmo mais acelerado. A C&A, embora não divulgue oficialmente seus números, ainda é líder no setor.

Segundo Rocha, a ala de moda jovem das lojas cresce 50% acima da média do resto da empresa. O balanço de 2009 mostrou que a empresa faturou R$ 1,9 bilhão, contra R$ 2,1 bilhões da Renner. Enquanto a concorrente teve alta de 8,2% no faturamento sobre 2008, a Riachuelo viu suas vendas engordarem em 8,9%. No primeiro trimestre deste ano, a Renner faturou R$ 440,2 milhões, enquanto a receita do braço de varejo da Guararapes somou R$ 382,6 milhões.

As duas empresas disputam o segundo lugar no mercado brasileiro de confecções – a Renner tinha 5,4% do mercado de roupas e calçados no Brasil no ano passado, segundo a consultoria Euromonitor, enquanto a Riachuelo aparecia com 5,2%. “No verão, vamos melhor. No inverno, perdemos espaço”, resume Flávio Rocha.

Riscos. A guinada em uma estratégia que tinha resultados sólidos, porém pouco espetaculares, não veio sem reveses: enquanto lutava para construir uma nova identidade, a Riachuelo se viu obrigada a abrir mão de parte de seu público mais fiel, que passou a encontrar uma loja cada vez mais diferente do padrão a que havia sido acostumado durante muitos anos.

Segundo o consultor em varejo Eugênio Foganholo, a Riachuelo costumava “navegar quase sozinha” em um nicho de mercado confortável: o oferecimento de soluções para a mulher, o marido, os filhos e a casa. “Isso era muito forte. Houve uma mudança de proposta e de conceito, para um produto com mais informação de moda, para atrair o público final, e não só as mães, para a loja. A empresa mudou e perdeu um cliente fiel, que em parte migrou para a Marisa. É um processo em andamento”, avalia.

Cartão de crédito. As estratégias de Renner e Riachuelo constantemente se esbarram: no mês de junho, ambas lançam as versões de seus cartões de loja com as bandeiras Visa e Mastercard. As duas redes dizem esperar emitir 1 milhão de plásticos nos primeiros 12 meses da nova operação. Segundo José Antônio Rodrigues, diretor de crédito da Midway, financeira da Riachuelo, o novo cartão vai acompanhar uma mudança de direcionamento das classes C e D. “Antes, as pessoas queriam ter tantos cartões quanto podiam, para provar que conseguiam crédito. Agora, descobriram a comodidade de concentrar tudo em um ou dois cartões.”

Embora as duas disputem o mesmo mercado, há diferenças entre elas. A Riachuelo briga pelo consumidor “emergente” das classes C e D. Já a Renner mira o estrato mais abastado desse público, com renda familiar mensal por volta de R$ 4 mil. “Atendemos as classes A+, B e C-”, explica o presidente da Renner, José Galló. O perfil de cada uma se reflete em uma tímida diferença no tíquete médio das empresas: enquanto o cliente da Renner gasta, em média, R$ 120 toda a vez que visita a loja, o da Riachuelo leva R$ 109 em produtos.

Verticalização. Para mudar a imagem da Riachuelo, a empresa optou por olhar para os primeiros elos da cadeia produtiva: a concepção e a produção das roupas. Com duas fábricas no Ceará e no Rio Grande do Norte, o Grupo Guararapes decidiu se espelhar no modelo da espanhola Zara e da sueca H&M: verticalizou a produção de roupas de suas fábricas para que a Riachuelo concentrasse 100% dos pedidos. No início da década, a rede respondia por apenas 20% das vendas. O restante, como ocorre na Renner e na C&A, era fabricado por uma série de fornecedores terceirizados.

Entretanto, a opção de produzir tudo em casa exigiu que a empresa enfrentasse um fantasma do passado. Em 1979, logo após a compra da Lojas Riachuelo, o Grupo Guararapes testou o modelo de produção em cadeia semelhante ao adotado nos últimos anos. O resultado foi desastroso: “Não havia tecnologia para isso, não tinha nem código de barras para organizar os produtos”, lembra Flávio Rocha. Apesar da experiência negativa, a retomada do projeto teve apoio de Nevaldo Rocha, fundador do grupo e pai de Flávio. “Ele foi mentor e entusiasta da idéia.”

A opção pela fabricação 100% própria, conta o presidente da Riachuelo, foi chave para garantir a agilidade exigida pelo segmento “fast fashion”, em que as peças das lojas precisam ser trocadas em questão de semanas. “Houve um momento de perda de competitividade, quando ficou mais caro produzir na Guararapes do que em terceiros. Mas já estamos colhendo os frutos da mudança radical. Hoje, consigo competir no preço, desde que o dólar esteja acima de R$ 1,70″, diz Flávio Rocha.

Atualmente, 80% das 16,5 milhões de pessoas que detêm o cartão Riachuelo ganham menos de R$ 1.000 por mês. Ainda que a renda não permita consumir a moda tradicional, Rocha afirma que esse público está mais exigente, já que sua importância relativa para a economia aumentou: “Antes a necessidade básica era cobrir o corpo. Agora, com o acesso à informação, especialmente pela internet e pela televisão, essas pessoas têm o desejo de se expressar através da roupa. É aí que nós entramos.”

Pool. O escritório de Rocha na sede da Riachuelo em São Paulo reflete o gosto do empresário por tecnologia. O computador pessoal do executivo tem uma tela gigante de LCD. Um iPad desligado repousa sobre a mesa. A principal peça de decoração é um quadro que relaciona o rosto do piloto Ayrton Senna à marca de moda jovem da empresa, a Pool – nos anos 80, ela foi uma das patrocinadoras do piloto.

Rocha também mantém à vista várias cópias do livro Isn”t It Obvious: A Business Novel on Retailing (Não é Óbvio? Um Romance sobre o Varejo), que conta a história de um negócio familiar que cresce depois de uma mudança radical. Feita a reinvenção na Riachuelo, o empresário agora se dedica a um novo projeto: criar uma grande marca de moda nacional. “Não há uma empresa de roupas entre as 100 maiores marcas brasileiras. Nos Estados Unidos, são 18. Na França, 30. Há uma enorme oportunidade.”

É justamente este vácuo que a Pool pretende ocupar. Associada a jeans e camisas polo nos anos 80, a marca saiu do limbo nos últimos anos. Ganhou coleção feminina, estratégia de marketing própria e mais espaço dentro da Riachuelo. Agora, prepara-se para alçar voo solo no varejo: o grupo prevê a abertura das primeiras lojas Pool até o fim de 2011. A iniciativa testará a força da Guararapes em um mercado de produtos de maior valor agregado para o público jovem, batendo de frente com a Hering. “Temos de retomar o prestígio que a Pool já teve.”

Apesar de o mercado de lojas de departamento já procurar espaços mais compactos, Rocha diz que a Riachuelo ainda prioriza os shopping centers, especialmente nos grandes centros do Sul e do Sudeste – assim, a rede reforça o caixa com as vendas de inverno, reduzindo uma de suas deficiências, já que hoje 60% de seus negócios estão nas regiões mais quentes do Brasil.

Para abrigar os 58 microdepartamentos de moda feminina, masculina, infantil e artigos para casa, o formato ideal é de lojas de 4 mil metros quadrados de área. A empresa busca opções compactas, de cerca de um terço do tamanho tradicional, somente em cidades com menos de 500 mil habitantes, caso de uma unidade-piloto em Mossoró (RN).

Na ponta do lápis

A Riachuelo, em números:

50 mil é a quantidade de funcionários do Grupo Guararapes, incluindo os temporários de fim de ano;

57% das vendas da Riachuelo são pagas com o cartão da loja;

110 milhões de peças de roupas são destinadas às araras da Riachuelo todos os anos.

Disponível em: http://www.cascianovidal.com.br/?p=3549

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